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terça-feira, 24 de maio de 2011

Sempre Galiza! - Letras Galegas: Guerra da Cal, Carvalho Calero, Lois Pereiro

publica-se às 3ªs e 6ªs

coordenação Pedro Godinho

Como parte da programação de homenagem a Ernesto Guerra da Cal, pelo centenário do seu nascimento, realizou-se, em Santiago de Compostela, no passado 17 de Maio, Dia das Letras Galegas, uma cerimónia pública que teve lugar junto ao monumento a Ricardo Carvalho Calero.

[Recorda-se que a Academia Galega da Língua Portuguesa (AGLP), com o apoio doutras entidades cívicas, criou um sítio web Centenário Guerra da Cal que acolhe e solicita materiais sobre a vida, obra, época e legado intelectual do professor Ernesto Guerra da Cal.]

Além da recordação de Guerra da Cal e do seu papel fundamental em prol do português da Galiza, foram lidos poemas de Guerra da Cal, de Carvalho Calero e de Lois Pereiro (autor distinguido em 2011 pelo Dia das Letras Galegas).

Procedeu-se também à leitura dos manifestos - Manifesto pela Hegemonia Social do Galego e Manifesto da Fundaçom Meendinho "Galegas, galegos, enveredemos o caminho certo” -, de encorajamento da Galiza à participação e vivência plena no espaço da lusofonia.

Na sua simplicidade, também o Estrolabio recordou, no Sempre Galiza do passado dia 17 de Maio, Ernesto Guerra da Cal e o Dia das Letras Galegas e, nesse mesmo dia, Carlos Loures publicou um texto no qual sem contestar a valia da obra de Lois Pereiro (que não conhecia) lamentava que, por mais um ano, Ricardo Carvalho Calero fosse preterido, julgando incompreensível que a um homem como Carvalho Calero continuasse a ser denegada pela Real Academia Galega (RAG) a merecida homenagem e desde há dez anos proposta. Porquê?, repetia uma interrogação já antes formulada.

No dia seguinte, a 18 de Maio, Carlos Loures voltava à liça com novo texto, em diálogo com a interessante nota de Carlos Durão em A Nossa Língua e agradecendo a resposta avançada à interrogação que deixara.

Pelo seu interesse, e pela relação estabelecido entre os nomes de Carvalho Calero e de Lois Pereiro, transcrevemos abaixo o texto de José-Martinho Montero Santalha, presidente da Academia Galega da Língua Portuguesa (AGLP):

Carvalho Calero e Lois Pereiro

Os nomes de Carvalho Calero (Ferrol 1910 - Santiago de Compostela 1990) e Lois Pereiro (Monforte de Lemos 1958 - A Corunha 1996) apareceram relacionados quando há um ano a Real Academia Galega decidiu dedicar ao poeta monfortino o Dia das Letras Galegas do presente ano 2011: como é bem sabido, o nome de Carvalho Calero é um dos que mais frequentemente se propõem desde há já alguns anos entre os merecedores dessa homenagem anual da cultura galega.

No tempo da vida não teriam muita ocasião de coincidir Carvalho e Pereiro; mas, apesar da grande diferença de idade, faleceram com só seis anos de distância, o primeiro com 80 anos e o segundo muito prematuramente com menos da metade (38).

Carvalho cita Pereiro

No entanto, na obra poética de Carvalho Calero há uma alusão a Lois Pereiro, que não deixará de ser oportuno aduzir nestes dias em que lembramos o jovem poeta, segado pela doença quando ainda tanta vida (e tanta criatividade literária) lhe poderia ficar por diante.

Quando se publicaram na Corunha os dois volumes de antologia poética intitulados De amor e desamor (A Corunha 1984 e 1985), os autores -- dez poetas, entres os quais se achava Lois Pereiro -- enviaram a Carvalho um exemplar de cada volume, acompanhado, em ambos os casos, de uma dedicatória afectuosa. Estes exemplares conservam-se no Parlamento Galego, na «Biblioteca Carvalho Calero», e as suas fichas estão acessíveis em Internet (nas quais não deixa de indicar-se oportunamente que ambos incluem uma “dedicatória autógrafa dos autores”).

Carvalho Calero agradeceu a dedicatória do primeiro livro com um poema que dirigiu a Fernám Velho, citando nele os nomes dos dez poetas, na ordem em que aparecem na fotografia (magnífica, de Xurxo Lobato) incluída no início do volume. Aí é onde ocorre o nome de Lois Pereiro: “Palharês, Fernám Velho, / Mato Fondo, Valcárcel, / Ribas, Salinas Portugal, Pereiro, / Lino Brage, Xavier Seoane, / José Devesa” (versos 18-22).

Na realidade, o poema desenvolve-se fundamentalmente como um comentário literário à fotografia; mas não falta a referência metafórica ao mundo clássico (com as 9 musas e o pai Apolo, cujos amores os dez poetas conquistariam) e até a alusão biográfica à mocidade do próprio autor e aos seus afãs poéticos de aqueles tempos.

Eis o texto desse poema, que Carvalho incorporou logo ao seu livro Cantigas de amigo e outros poemas (1980-1985), publicado pela AGAL em 1986 (pp. 150-151):

[«Mensagem de agradecimento a Fernám Velho
para os poetas de amor e desamor»]

Tu, Miguel Anjo Fernám Velho,
com o teu aspecto de estudante alemão ou russo,
dos tempos de Heine ou de Puchkin,
em Gottinga ou Moscovo,
dominas pela tua estatura
no grupo fotográfico da linha de poetas
de amor e desamor,
que me enviam os seus versos com palavras irmãs;
se bem Salinas Portugal ou Júlio Valcárcel,
se mais se estalicassem, poderiam,
se quadra, competir contigo
em qualidade de altas antenas receptoras.

Em todo o caso, porque te vejo mais a ti,
envio-te esta carta de graças, telegráfica
amostra de obriga, e leda expressão de amizade
para os dez, como estais
em ringleira de frente despregados,
dispostos à batalha: Palharês, Fernám Velho,
Mato Fondo, Valcárcel,
Ribas, Salinas Portugal, Pereiro,
Lino Brage, Xavier Seoane,
José Devesa, os dez da fama, os dez
dedos do Deus da Nossa Terra,
do Anjo da Nossa Guarda, o Velho
Anjo da Guarda dos Galegos,
que fala em verso, e com o seu verso escreve
as ringleiras da história.

Obrigado. Desejo
que os nove homens do grupo
conquistem cada um o amor e os braços
de uma das nove musas, cada um cada a sua,
e Pilar Palharês os do mesmíssimo
Apolo, pai daquelas, padroeiro
nosso. Não tenho a menor dúvida
de que aquelas e aquele hão-se de render
à beleza e à força e à paixão destes versos
de amor e desamor que agora leio,
devolto a aqueles tempos em que eu mesmo sabia
amar e desamar
liricamente, como
vós, ainda que menos.

Miguel Anjo, antena a quem envio
esta emissão de dívida,
eu, devedor dos dez,
dos dez agradecido amigo e camarada,
retransmite, Miguel, esta mensagem
de Ricardo Carvalho Calero aos nove amigos.


"em ringleira de frente despregados, / dispostos à batalha:

Palharês, Fernám Velho, / Mato Fondo, Valcárcel, / Ribas, Salinas Portugal, Pereiro, /
Lino Brage, Xavier Seoane, / José Devesa, os dez da fama"


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