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sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Sempre Galiza! – Benedicto Garcia e José Afonso, a mesma canção

coordenação de Pedro Godinho

Benedicto Garcia, um dos grandes nomes da música galega, além de amigo foi um dos companheiros musicais do Zeca.
Como ele próprio contou, depois de ouvir músicas do Zeca, em Abril de 1972 e obtida que fora a morada junto da editora, o Benedicto e amigos viajaram para Portugal e foi bater à porta da casa do Zeca, em Setúbal. Desconfiado pela vigilância a que a PIDE o submetia, o Zeca começou por bombardear de perguntas os quatro galegos surgidos do nada. Iniciou-se ali uma longa amizade e companheirismo musical e de solidariedade política internacional.
José Afonso tocou repetidamente por terras galegas e foi acompanhado por músicos galegos – não apenas na Galiza – em muitas actuações e gravações. O mesmo José Afonso que declarou que a Galiza era para ele também uma espécie de pátria espiritual.
Fruto da convivência de ambos, e das confluências galego-portuguesas, foi a coincidência de terem, cada um do seu lado, composto uma versão inspirada pela mesma canção raiana que tinham conhecido em férias conjuntas: "Nossa Señora da Guia" (no álbum de Benedicto, Pola Unión) e "Chula da Póvoa" (no álbum de José Afonso, Com as minhas tamanquinhas).

 

Aqui fica a história tal como contada pelo Benedicto:
«No verão do 73 fomos á Illa da Fuzeta para estrear umas tendas de campismo que compráramos em "Trigano" numa viagem a França e Bélgica, á que viera o Zeca e o meu camarada Bibiano.
A estrea foi por tudo o alto e a ela asistiron o Zeca e a Zèlia, os miúdos, Pedro e Joana e nós, Maite e eu. A do Zeca, familiar, com vários quartos, já se adivinhava de lonje que não ía ser morada do seu dono que na altura andava lixado coa súa perenne insomnia. Nós, os galegos, ficamos naquela tenda máis pequena que para dois era de máis. Aliás, e único que había a fazer naquela illa despovoada (a penas ían pessoas e non había nem "vaporetto" nem nada parecido e assim as viajems ao "continente" eram a "brazo", a vogar co remo) era poñer o coiro, tudo o coiro, ao sol, para escándalo, é verdade, de algúms. Si había dúas casotas de tijolos e um "barsinho" com petiscos ao que se integrava o Zeca e família cada día para tomar aquela marabilla de sardinhas grelhadas. Não tenho a certeza de se são as melhores as de além ou as de Rianxo, na ría de Arousa, ou as de Safi, no atlántico marroquino, onde as tomamos no ano 2000 numa viajem que fizemos coa Zèlia e onde há muitos portugueses a travalhar, entre eles um tío da Zèlia que era a quem íamos em particular a visitar naquele porto tão cheio de color e alegría. Isto deve ser aplicável a casi tudos os portos, hajo eu, de jeito que não estou a descuvrir nada novo, pero dado que pasávamos pelo sabor das sardinhas...
No día a seguir á "inauguração" do campamento (as tendas eram as sôzinhas que lá havía) chegou pelo lugar o Zé Manel, o filho máis velho do Zeca que andava, também, de férias. Vinha do Norte e trazía um pressente muito especial: além, diante dos dois (e imagino que havería algúms máis) tirou de viola e empezou a cantar uma canção "raiana", que segundo as súas fontes, era cantada nas celebrações nas dúas beiras do Minho, no norte galego e no sul portugués. A canção, simples de composição, tinha tres quadras:
Nosa Senhora da Guía
Guía aos homens do mare
Venha ver a barca vela
Que se vai deitar no mare
Nosa Senhora vai dentro
Os anjinhos a remare
A partir desse momento a canção, tal e como estava, foi incluída por nós nos espectáculos que sempre realizávamos acompanhándonos mutuamente para, com máis ou menos fortuna, sumar dúas violas e, sobre de tudo, dúas vozes, pois os dois éramos moito dados a fazer dúos. Sempre era eu quem aprendía alguma nova forma de impostar, de flexionar a voz, de construir as segundas vozes á "alentejana" ou como fosse. É a vantagem de compartir com um génio: um sempre receve muito, muito, muito...
A partir do 25 de avril, não voltamos a ter esta espécie de parelha (o seu lugar sería ocupado pelo Bibiano ata o 78). Aínda que sempre mantivemos, até o fim dos seus días, a mesma cordialidade, o "guião" que tinhamos que interpretar foi outro bem diferente. Em tanto que, em Portugal, as liberdades inundavan as rúas e o Zeca tinha que dedicarse a canalizar tuda aquela energía desbordante que o mantinha em constante "bebedeira" intelectual, artística, política e humana, em Espanha aínda tardaríam em chegar: em fevereiro do 77 aínda eram prohibidos espectáculos.
No mes de maio desse ano gravei o meu primeiro L.P.: "Pola Unión" e nele havía uma canção intitulada "Nosa Señora da Guía":
Nosa Senhora da Guía
Guía ós homes do mare
Veña ver a barca vela
Que se vai deitar no mare
Nosa Señora vai dentro
E os anxiños a remare
En Ourense as gueivotas
Non saben o que é voare
Os mariñeiros traballan
No mare da liberdade
Outros pesqueiros reventan
Prós señores engordare
Hai un caravel vermello
No fusil do militare
Quen non viu cantar un vello
Non sabe o que é cantare
Coa emoção própria do neófito (e eu éra-o pois a penas gravara um e.p. de 4 canções no 68 em Barcelona) dinlhe ao Zeca o disco e ele fez o próprio e trocou-o por um dele. Neste dico estava "Chula da Póvoa" a súa versão, máis portuguesa, com uma irmá no meu disco, máis galega.
Á "Nosa Señora da Guía" aconteceu-lhe o melhor que lhe pode acontecer a uma canção: sem saver a súa origem, sem saver sequera quem a gravou, algúms, moços e não tão moços cántana pelas rúas.»


Fica também a letra, ajustada ao momento, que o Zeca associou à música:
Chula da Póvoa (José Afonso, 1976)
Em Janeiro bebo o vinho
Em Fevereiro como o pão
Nem que chovam picaretas
Hás-de cair, Rei-Milhão
Adeus, cidade do Porto
Adeus muros de Custóias
Cantando à chuva e ao vento
Andei a enganar as horas
Tenho mais de mil amigos
Aqui não me sinto só
Cantarei ao desafio
Ninguém tenha de mim dó
Ó meu Portugal formoso
Berço de latifundiários
Onde um primeiro ministro
Já manda a merda os operários
Já hoje muito maroto
Se diz revolucionário
E faz da bolsa do povo
Cofre-forte do bancário
Camaradas lá do Norte
Venham ao Sul passear
Cá nas nossas cooperativas
Há sempre mais um lugar

Interessante ainda ouvir a versão que mistura instrumentos dos gaiteiros Treixadura e vozes dos gaiteiros de Lisboa:






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