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terça-feira, 29 de março de 2011

Sempre Galiza!- Daniel Castelão: língua e nação


publica-se às 3ªs e 6ªs
coordenação Pedro Godinho




Afonso Daniel Manuel Rodrigues Castelão nasceu a 30 de Janeiro de 1886, em Rianxo, Galiza, e morreu a 7 de Janeiro de 1950, em Buenos Aires, Argentina.


Artista, escritor e político é considerado um dos fundadores do nacionalismo galego.

Foi-lhe dedicado o 2º Dia das Letras Galegas, em 1964 (o 1º, em 1963, tendo sido dedicado à “gigante” Rosalia de Castro).

Aos três meses de idade emigrou para a Argentina de onde regressou à Galiza. Estudou Medicina na Universidade de Santiago de Compostela. Depois dum curso de doutoramento em Madrid, entre 1909 e 1910, especializou-se em obstretícia, em 1910, em Santiago de Compostela, após o que se instalou na sua terra natal, Rianxo.

Em 1926 foi nomeado académico da Real Academia Galega.


Em 1931 foi eleito deputado pela Organização Republicana Galega Autónoma (ORGA) para as Cortes Constituintes da Segunda República Espanhola e participou na constituição do Partido Galeguista.

Desterrado para Badajoz em 1934, foi novamente eleito deputado em 1936 na lista da Frente Popular e protagonista da campanha pelo sim ao Estatuto de Autonomia da Galiza, aprovado em plebiscito.


O golpe de estado franquista apanha-o em Madrid. Exilou-se no México, depois Nova Iorque e, finalmente, em Buenos Aires. Pertenceu ao governo republicano no exílio presidido por Giral (1946).

Em 1944 publicou Sempre em Galiza, ligando literatura e teoria do galeguismo, considerada uma obra capital do nacionalismo galego.

Foi o primeiro presidente do Conselho da Galiza, o governo da nação no exílio.


Ao longo da vida, teve também uma intervenção activa na vida cultural, literária e artística da Galiza e dos círculos galegos, deixando obra importante desde o desenho à narrativa, passando pelo ensaio.

Além da escrita, interessou-se pelo desenho e a pintura, em especial pela caricatura. Em 1908 expõs os seus desenhos pela primeira vez, em Madrid. Realizou diversas exposições, fundou e colaborou com várias publicações e fez múltiplas conferências.

Defendeu, em numerosas ocasiões, a importância da língua na identidade e a unidade linguística galego-portuguesa.

«Nengum idioma alheio -por ilustre que seja- poderá expressar em nome do nosso os íntimos sentimentos, as fundas dores e as perduráveis esperanças do povo galego; se ainda somos diferentes e capazes de existir, nom é mais que por obra e graça do idioma. Velaí porque o autor dum livro sempre será um patriota e porque os que refugam a nossa fala nom som dignos de chamar-se galegos, porque desprezam o cerne da democracia e cegam as melhores fontes de criaçom.»
«Nengum galego culto deve consentir que a fala do seu povo -umha fala de príncipes, que ainda é senhora em Portugal e Brasil- seja escrava no pátrio lar, sem direito a ir à escola nem a apresentar-se como igual do castelhano.»
«...a nossa língua está viva e floresce em Portugal, falam-na e cultivam-na mais de sessenta milhões de seres que, hoje por hoje, ainda vivem fora do imperialismo espanhol.» 
«Desejo, ademais, que o galego se acerque e confunda co português» 
«As palavras castelhanas, em boca de galegos, som quase sempre palavras envilecidas, incapazes de ressoarem na consciência dos autênticos galegos; pero tamém hai consciências envilecidas por complexos de inferioridade, só capazes de admiraçom anteposes decorativas e linguagens de teatro. E já é hora de dizer que Galiza será forte em Espanha quando se negue a falar castelhano e fale fortemente a sua língua. Um galego pode falar o castelhano com o mesmo interesse com que fala qualquer outra língua estrangeira; pero em quanto um galego fale o castelhano como língua própria deixa de ser galego sem que por isso chegue a ser castelhano.» 
«Estamos fartos de ser umha colónia» 
«Nom esqueçamos que se ainda somos galegos é por obra e graça do idioma.» 
«O problema do idioma em Galiza é, pois, um problema de dignidade e de liberdade; pero mais que nada é um problema de cultura.»

sexta-feira, 25 de março de 2011

Sempre Galiza! - wiki-faq AGAL (3) : Por que escrevedes tam raro?

publica-se às 3ªs e 6ªs

coordenação Pedro Godinho

wiki-faq do reintegracionismo

( http://agal-gz.org/faq/ )



Por que escrevedes tam raro?

Na verdade, a imensa maioria das pessoas que falam o galego-português escrevem como nós.


Todas as línguas tenhem histórias atraentes, a nossa nom é umha exceçom. Nasceu no noroeste da Península Ibérica, num território que incluía a atual Galiza e o Norte de Portugal1) e daí avançou para sul chegando até o Algarve, sul de Portugal cruzando depois os oceanos e assentando-se em todos continentes.

Factos históricos provocárom que o território a norte do Minho ficasse a depender do Reino de Castela enquanto a sul do Minho constituía um reino independente. Isto tivo as pertinentes conseqüências lingüísticas:

  • A norte do Minho, o galego ficou reduzido a variedade oral e as falas castelhanizárom-se.
  • A sul do Minho, o galego constitui-se na Língua de todos os habitantes e as falas modernizárom-se.

Quando no séc. XIX há um processo de recuperaçom escrita da nossa língua, escreve-se o “normal”, com a ortografia do castelhano, a única em que foram alfabetizados(as) os escreventes. No galeguismo que viria a seguir há sempre umha visom do português como referente de integraçom e do castelhano como referente de oposiçom. É por isso que começam a usar-se palavras “raras” como galego, Galiza, estrada, libertade, dúvida, Deus ou rua. Estas palavras foram substituídas por palavras castelhanas que eram as “normais” entre os nossos coetáneos(as).

No ano de 1980 e por encomenda da junta pré-autonómica, umha comissom dirigida polo professor Carvalho Calero elaborou umhas Normas ortográficas do idioma galego. Estas normas estavam chamadas a ser o quilómetro zero de umha estratégia luso-brasileira para a nossa língua. Infelizmente, no ano 1983, o decreto Filgueira Valverde promoveu umhas outras normas com um espírito diferente. Foram elaboradas polo Instituto da Língua Galega sobre a base do galego popular e a estrangeirizaçom do português.

A estratégia reintegracionista ou luso-brasileira para o galego trabalha sobre a base de a Galiza, Portugal e o Brasil compartilharem a mesma língua, na Galiza conhecida como galego e internacionalmente como português, no convencimento de que é a melhor estratégia para a nossa língua e para os seus falantes na Galiza.


Trabalhamos para a nossa forma de escrever e viver a nossa língua abandonar o adjetivo “raro”. O dia que isso aconteça será um indício de que a nossa língua chegou a um ponto de inflexom para começar a recuperar o terreno perdido.

1) Além de territórios que hoje em dia formam parte das Astúrias e de Castela Leom

terça-feira, 22 de março de 2011

Sempre Galiza! Rosalia de Castro e A Gaita Galega


publica-se às 3ªs e 6ªs
coordenação Pedro Godinho




Já aqui trouxemos Rosalia mais de uma vez, e voltaremos a trazê-la, que é leitura que merece. A sua importância para a literatura galega contemporânea também já foi por muitos explicada.

O Dia das Letras Galegas, celebrado a 17 de Maio, coincide, aliás, com a data da primeira edição dos Cantares Galegos de Rosalia de Castro, obra fundamental no ressurgimento da literatura em língua galega. Teve início em 1963, ano do centenário daquela primeira edição, e foi dedicado a Rosalia de Castro, como não podia deixar de ser. Cada ano é dedicado a um escritor em língua galega, já falecido.

Iniciando aqui a apresentação de textos dos vários escritores já distinguidos no Dia das Letras Galegas, só podíamos começar por Rosalia.

Pobre Galiza, não deves
chamar-te nunca espanhola
...

A GAITA GALEGA
Resposta ao eminente poeta D. Ventura Ruiz de Aguilera




I

Quando este cantar, poeta,
na lira gemendo entoas,
não sei o que por mim passa
que as lagriminhas me afogam,
diante de mim cruzar vejo
a Virgem-mártir que invocas,
cos pés cravados de espinhas,
coas mãos cobertas de rosas.
Em vão a gaita, tocando
uma alvorada de glória,
sons pelos ares espalha
que caem nas brandas ondas;
embalde baila contente
nas eiras a turba louca,
que aqueles sons, tal me afligem,
cousas tão tristes me contam,
que eu posso dizer-che
não canta, que chora.


II

Vejo contigo estes céus,
vejo estas brancas auroras,
vejo estes campos floridos
onde se arrulham as pombas,
e estas montanhas gigantes
que lá coas nuvens se tocam
cobertas de verdes pinhos
e de florinhas cheirosas;
vejo esta terra bendita
onde o bem de Deus transborda
e onde os anjinhos formosos
tecem brilhantes coroas;
mas, ai!, como também vejo
passar macilentas sombras,
grilhões de ferro arrastando
entre sorrisos de mofa,
em-que mimosa gaitinha
toque alvorada de glória,
eu posso dizer-che
não canta, que chora.


III

Falas, e o meu pensamento
mira passar temerosas
as sombras desses cem portos
que ao pé das ondinhas moram,
e pouco a pouco marchando,
frágeis e tristes e soias
vagar as naves soberbas
lá na imensidão traidora.
E, ai!, como nelas navegam
os filhos das nossas costas
com rumo à América infanda
que a morte com pão lhes doa,
desnudos pedindo em vão
à pátria misericórdia,
em-que contente a gaitinha
o pobre gaiteiro toca,
eu posso dizer-che
não canta, que chora.


IV

Pobre Galiza, não deves
chamar-te nunca espanhola,
que Espanha de ti se olvida
quando és tu, ai!, tão formosa.
Qual se na infâmia nasceras,
torpe, de ti se envergonha,
e a mãe que um filho despreza
mãe sem coração se mostra.
Ninguém por que te levantes
che alarga a mão bondadosa;
ninguém teus prantos enxuga,
e humilde choras e choras.
Galiza, tu não tens pátria,
tu vives no mundo soia,
e a prole fecunda tua
se espalha em errantes hordas,
mentres triste e solitária
tendida na verde alfombra
ao mar esperanças pedes,
de Deus a esperança imploras.
Por isso em-que em som de festa
alegre a gaitinha se ouça,
eu posso dizer-che
não canta, que chora.


V

“Espera, Galiza, espera.”
Quanto este grito consola!
Pague-cho Deus, bom poeta,
mas é-che esperança louca;
que antes de que os tempos cheguem
de dita tão venturosa,
antes que Galiza suba,
coa cruz que o seu lombo dobra,
aquel difícil caminho
que o pé dos abismos toca,
quiçá cansada e sedenta,
quiçá que de angústia morra.
Pague-che Deus, bom poeta,
essa esperança de glória,
que de teu peito surgindo,
à Virgem-mártir coroa,
e esta recompensa seja
de amargas penas recônditas.
Pague-che este cantar triste
que as nossas tristezas conta,
que só tu,… tu entre tantos!,
das nossas mágoas se acorda.
Digna vontade dum génio,
Alma pura e generosa!
E quando a gaita galega
alô nas Castelas ouças,
ao teu coração pergunta;
verás que diz em resposta
que a gaita galega
não canta, que chora.


Cantares Galegos
Rosalia de Castro


Seguem os Gaiteiros de Soutelo:

sexta-feira, 18 de março de 2011

Sempre Galiza! - wiki-faq AGAL (2) : Que é o reintegracionismo?

publica-se às 3ªs e 6ªs

coordenação Pedro Godinho

wiki-faq do reintegracionismo

( http://agal-gz.org/faq/ )



Que é o reintegracionismo?

O reintegracionismo postula que o galego, o português e o brasileiro som variantes da mesma língua. Esta tese foi a defendida tradicionalmente polo galeguismo.


A palavra reintegracionismo deriva de reintegrar que quer dizer ‘integrar novamente‘. O reintegracionismo é umha estratégia para a língua da Galiza que se baseia num facto histórico, umha análise e umha hipótese razoável.

Facto histórico

O facto histórico é que a nossa língua nasceu no Reino da Galiza, na Idade Média, num território que incluía a atual Galiza e o norte de Portugal1). Esta língua avançou para sul em direçom ao que seria o Reino de Portugal e depois cruzou os oceanos. Sucedeu que enquanto no Reino de Portugal triunfou socialmente, sendo a língua de todos os estamentos sociais, a norte do Minho, foi a língua castelhana a que ocupou a cúspide social aumentando a sua presença até o dia de hoje em todas as classes sociais.

Análise

A análise revela que:

  1. Do ponto de vista lingüístico, as falas galegas estám mui castelhanizadas sendo esta a principal barreira para comunicarmos com os falantes do resto do nosso domínio lingüístico.
  2. Do ponto de vista funcional, a nossa língua na Galiza está ausente em áreas estratégicas para umha língua: meios de comunicaçom, justiça, empresa, etc, espaços ocupados polo castelhano.
  3. Do ponto de vista cultural e identitário, a maioria dos falantes sentem mais familiar o castelhano que as variedades lusitana ou brasileira. A cidadania galega está empapada de cultura expressada em castelhano mas desconhece a lusitana, a brasileira ou a africana de fala portuguesa. Isto verifica-se especialmente quando queremos aceder a produtos culturais noutras línguas (traduções de livros, cinema, software), ocasiom em que inércia nos leva a recorrer ao castelhano.

Hipótese

A hipótese razoável é que das duas estratégias que se postulam para inverter o estado atual da nossa língua, a autonomista (galego é só a língua da Galiza) e reintegracionista (galego é a língua da Galiza e de vários países mais), a segunda pode ser a mais eficaz.

Porquê?

  1. Do ponto de vista lingüístico porque as variedades de Portugal e do Brasil som as línguas comuns nos seus países e a língua é soberana a respeito do castelhano ou de qualquer outra. Apoiar-nos nelas permitiria soberanizar a nossa variedade.
  2. Do ponto de vista funcional, muitas das carências da nossa língua na Galiza poderiam superar-se com outras variedades da nossa língua, nomeadamente a do Brasil e a de Portugal.
  3. Do ponto de vista cultural e identitário, a nossa cultura inserida na lusófona, veria-se reforçada e alcançaria mais difusom. Umha identidade compartilhada com os outros países que falam a nossa língua, reforçariam a identidade da nossa língua como sendo independente do castelhano

Para umha visom de conjunto: A estratégia luso-brasileira para o galego

1) Além de territórios que atualmente fam parte das Astúrias e de Castela-Leom.

Eu sou reintegracionista?

Talvez. Umha forma de o saber é realizares o reintegrametro que medirá o teu grau de reintegracionismo.

Muitas pessoas compartilham muitas das teses reintegracionistas mas ao nom combiná-las entre si, não chegam às conclusons finais. Seria como ter todas as peças de umha máquina mas carecer do mapa de instruções para a montar e que funcione.

terça-feira, 15 de março de 2011

Sempre Galiza! - O Assento, de Jenaro Marinhas del Valle

coordenação Pedro Godinho

 

 

 

O ASSENTO

 

Recanto dum jardim público. Dous bancos, próprios do sítio, um dando frente ao público, em direcçom horizontal à embocadura, o outro em posiçom vertical a ela e num lateral.

 

  

Atrás do primeiro, quando menos, umha árvore em cujas pólas podam pousar as duas aves exóticas que aparecerám imediatamente.

 


Ave 1:


Onde é que nos encontramos?


Ave 2:


Pois nom o sei. Nunca é fácil sabê-lo com certeza, tudo se vai uniformando tanto no mundo que todas as cidades parecem a mesma. Iguais avenidas, «scalestrix», «buildings». Que nojo!


Ave 1:


Vamos dar outra revoada a ver se pesquisamos algo orientador.


Ave 2:


Se déssemos coa Oficina de Turismo.


Ave 1:


Impossível, nom podemos rasear o voo com tantas espingardas de ar comprimido em maos dos escolares.

 

Partem as aves. Entram polo lateral vazio dona Claustófila e dona Reverenciana, ambas andam por umha idade mais que madura, ambas som atesadas, enxoitas e desluzidas como folha de bacalhau. Sentam-se no banco que dá frente ao público, tiram dos bolsos o novelo de lá e as longas agulhas de calcetar para continuar o labor encetado, parecem simular um jogo de esgrima a florete. Entra por onde antes elas o figérom o HOME, tamém maduro, roupas e chapeu amarfanhados, mal barbeado, tudo nel tem aspecto, se nom precisamente sujo, si desajeitado, esbaldragado. Porta um grande pára-águas sem enrolar e uns diários. Tenta sentar-se no sítio livre que deixam no extremo do banco as senhoras; mas para llo impedir correm-se elas rapidamente ocupando-o. Deixam, pois, livre o extremo oposto e ali dirige-se o HOME; mas novamente umha das mulheres apressura-se a ocupá-lo escorrendo o cu ao longo do assento. Fica agora livre o centro do banco. O HOME olha-o dubitativo e quando decide sentar-se as mulheres colocam as agulhas de ponta no sítio.

 

O HOME brinca ao sentir a punçada e esfrega as nádegas olhando em volta, repara no outro banco vazio, dirige-se a el, acomoda o guarda-chuva pendurado no espaldar e some-se na leitura dos diários. As mulheres, agora ajuntadas de novo, intercambiam gestos e olhadas como dizendo-se: «apanhou o merecido».


Começa a chover. O HOME abre o pára-águas. As senhoras guardam apressadas as calcetas nos bolsos. Hesitam em que fazer e correm a sentar-se umha a cada lado do HOME a coberto do grande guarda-chuva. O HOME olha umha e outra entre estranhado e burlom, depois vai fechando lentamente o pára-águas até que nom protege mais que a sua própria cabeça. As mulheres, vendo-se sem agarimo, erguem-se e fogem fora da cena em procura de refúgio, e vam dizendo: «Nom hai cortesia».


Retornam as aves a pousar no mesmo ramo.

 


Ave 1:


Averiguaste por onde é que voamos?


Ave 2:


Parece ser que estamos sobre umha terra que chamam Noroeste, lim muitas alusons a esse ponto.


Ave 1:


E onde vem caindo isso mais ou menos.


Ave 2:


Polo Suroeste da Europa.


Ave 1:


Como pode ser isso de que o Noroeste seja o Suroeste? 


Ave 2:


É segundo desde onde se olhar.


Ave 1:


Parece contra-senso.


Ave 2:


Pois tem o seu senso e como mandam os noroestistas nom permitem outro ponto de mira que o seu.


Ave 1:


Hai ditadura


Ave 2:


Nisso, si. E os suroestistas, os que contemplam o país desde a Europa, som postos fora da Lei. Parece que hai muito enguedelho.


Ave 1:


Pois estamos boas! Se começam a tiros nom o vamos passar muito bem que digamos.


Ave 2:


Antes nos imos embora, que já vai acalmando o chuveiro.

     

O HOME fecha o pára-águas que volvera a abrir de todo em se indo as madamas que agora retornam em direcçom para o seu banco.



Dona Claustófila:


(Apalpando o assento). Está molhado.


Dona Reverenciana:


(Apalpando igualmente). Está molhado.

     

Permanecem em pé indecisas. O HOME oferece-lhes os diários, elas tomam-nos com vénia e sorriso de agradecimento. Cada umha lê em voz alta o título do que tomou: «A Liberdade», «A Democracia». Umha entrega-lho à outra apressadamente, como se lhe queimasse a mao. Repetem o intercámbio de mao a mao sempre como se de tiçom aceso ou ferro ardente se tratasse. Afinal, dona Claustófila em poder dos dous diários, vai-nos colocando estendidos no assento do banco.



Dona Reverenciana:


Para que fai isso dona Claustófila? Em riba disso nom me sento.


Dona Claustófila:


(Cessando na tarefa). Nom lhe falta razom, dona Reverenciana. Desculpe. Nom resulta bom assento para senhoras da nossa casta.


Dona Reverenciana:


Dos nossos princípios.


Dona Claustófila:


Diga que nom é bom assento para ninguém.


Dona Reverenciana:


(Heróica, lançando umha olhada desafiante para o HOME). Digo, claro que digo! Digo mui alto para que todos podam ouvir.

    

Marcham a encostar-se no tronco da árvore e reanudam os seu labor de calceta. Entra um rapaz e umha rapaza colhidos da cintura. Vestimenta unissex. Sentam-se no banco coberto polos diários e começam a acarinhar-se: abraços, beijos. O HOME desentendido do entorno vai preparando o seu cachimbo. As mulheres, entre volta e volta de agulha, esguelham olhadas de indignaçom para os amantes.



Dona Claustófila:


Está vendo, dona Reverenciana?


Dona Reverenciana:


Nom há vergonha, dona Claustófila. De onde virá tanta despudícia?


Dona Claustófila:


Nom o pergunte,que está claro: vem-lhes do assento. Nom deveríamos ter deixado esses papéis ali.


Dona Reverenciana:


Certamente que nom é assento apropriado para a mocidade.


Dona Claustófila:


Umha mocidade sã há de assentar sobre a obediência, sobre a disciplina.


Dona Reverenciana:


Diga que si.


Dona Claustófila:


Digo.


Dona Reverenciana:


Em certo modo somos responsáveis. Sem intençom, claro é, mas proporcionamos-lhes assento para o escándalo.


Dona Claustófila:


Por que deixaria eu ali estendidos esses diários? Que imprevisom! (Batendo no peito). Mea culpa! Mea culpa!


Dona Reveranciana:


Ainda podemos fazer algo para impedir tanta perdiçom.


Dona Claustófila:


Vamos sentar a rente deles que a nossa presença há de coibi-los.

    

Venhem sentar umha em cada extremo do banco. Os rapazes, no centro, entregues a beijos e alouminhos, nem se inteiram. Dona Reverenciana carraspeia para se fazer notar. Sem resultado. Dona Claustófila carraspeia mais forte. Sem resultado. Ambas intercambiam gestos de estranheza, de escándalo, de indignaçom. A rapaza monta a cavalo no regaço do moço e joga-lhe cos cabelos, depois tira do peto um maço de cigarros e pede-lhe lume. El apalpa-se buscando e nom encontra. A rapaza descavalga e vai sentar-se ao lado do HOME em petiçom de lume. Fumam.
    

O rapaz estende os braços por trás das cabeças das senhoras e atraí-nas para si colhidas dos ombros. Deixam levar-se. O moço umha após outra beija-as nos beiços. Gargalhada da rapariga. As senhoras arroubadas, fecham os olhos de mao pousada nos joelhos do moço e vam-nas subindo pola coxa acima. O rapaz agita-se sentindo as cóxegas com um riso contido. As maos das senhoras esploram a barriga, o peito. Mais cóxegas e risos estremecidos. As maos descem corpo abaixo, chegam às virilhas. Grito do moço que se ergue dum brinco, colhe a moça por umha mao e sai correndo com ela.
    

Entra um vendedor de globos. O HOME compra um e prende-o no olho da lapela. Encosta-se no espaldar para o contemplar boiar no alto. As mulheres, encostadas umha à outra, em êxtase. Acordam e olham em torno.



Dona Claustófila:


Ai, dona Reverenciana! Sei que tivem um sonho!  


Dona Reverenciana:


Nom me diga. Tamém eu, dona Claustófila.


Dona Claustófila:


Estávamos aqui nós as duas e vinha aquel home de em frente e assentava-se entre nós...


Dona Reverenciana:


Si, si, era el; mas parecia mais novo.


Dona Claustófila:


O diabo costuma fazer essas transformaçons.


Dona Reverenciana:


E veja-o agora a fazer-se o inocente co seu globo igual que um meninho, como aquel que nunca rompeu um prato.


Dona Çlaustófila:


Assi som as astúcias de Satanás. 


Dona Reverenciana:


Abraçava às duas e...


Dona Claustófila:


(Espantada). Nom o diga, por favor, nom o diga!


Dona Reverenciana:


Nunca tal me tinha acontecido.


Dona Claustófila:


Fomos violadas sem a devida resistência.


Dona Reverenciana:


Abandonou-nos o Anjo Custódio.


Dona Claustófila:


(Pondo-se bruscamente em pé e assinalando acusadora os diários do assento). Olhe! Eis a causa. Veja onde estamos sentadas.


Dona Reverenciana:


(Pom-se tamém rápida em pé). Esses diários! Eles fôrom a nossa perdiçom! Bem diziamos que nom fam assento conveniente.


Dona Claustófila:


Estamos em pecado, dona Reverenciana.


Dona Reveranciana:


Abrenúncio! Abrenúncio!


Dona Claustófila:


Eu corro para casa a esfregar os lábios com água de Lourdes.


Dona Reverenciana:


Se nom foi mais que um sonho!


Dona Claustófila:


Ainda assi.


Dona Reverenciana:


Pois eu nom sei se tenho água de Lourdes na casa; mas tratando-se dum sonho bastará com xabom comum.


Dona Claustófila:


Há de bastar. Hai-nos agora com alto poder desinfectante.

    

Vam-se, apressadas e cotorronas as senhoras. O HOME ceiva o globo que sobe e se perde no alto. Fim da anedota.

 


 

 

Vejam também a primeira parte dum vídeo-roteiro da AGAL sobre a Corunha galeguista de Jenaro Marinhas:

 

sexta-feira, 11 de março de 2011

Sempre Galiza! Achegas ao reintegracionismo


publica-se às 3ªs e 6ªs
coordenação Pedro Godinho


«Sabemos, porque se tem dito e se diz com a recorrência venerável do lugar-comum, que galego e português são uma e a mesma língua. Sabemos ainda que essa mesma língua veio a cindir-se em dous nomes e em duas histórias. Com o nome de português, foi língua de um reino, de um império colonial e de uma nação. Com o nome de galego, ficou-lhe a honra de se ver reduzida a ser língua rústica duma província espanhola. E ainda bem, porque muitos houve e durante bastante tempo que lhe pleitearam a condição de língua, que queriam reservada para a língua oficial, a castelhana, deixando apenas à galega o atributo de rústica. Cumpriu logo pugnar por cobrar ou recobrar um nome e uma qualidade regateadas. Para tanto, exaltou-se a originalidade, antiguidade e riqueza expressiva da língua galega; e,mal se teve notícia dele, recordou-se um passado de glórias cortesãs e literárias. E entre os méritos alegados, o menor não era o ter sido a matriz do português.

Questão complexa, acirrada, estimulante, a do português da Galiza, a do galego de Portugal. Do lado de cá, tem feito correr regueiros de tinta rabugenta e estragado alguns almoços em cantinas universitárias, posto imediato termo a algumas amizades e tecido um movimento cívico de vigor crescente e que procura construir um futuro para a comunidade linguística galega orientando-a na convergência ou reintegração no seio da língua comum – na comunidade lusófona. Termo este que arrepuinharia as carnes de qualquer galeguista histórico, a começar pelo nosso Autor.»

   do prefácio de Fernando Vasquez Corredoira ao Sempre em Galiza de Castelão


Reintegracionismo - respostas AGAL a perguntas frequentes


Para melhor conhecimento desta problemática, a partir de hoje, nas edições das sextas-feiras publicaremos extractos da wiki-faq do reintegracionismo da AGAL – Associação Galega da Língua ( www.agal-gz.org ).





Wiki reintegracionista da AGAL

«A estratégia reintegracionista ou luso-brasileira para o galego trabalha sobre a base de a Galiza, Portugal e o Brasil compartilharem a mesma língua, na Galiza conhecida como galego e internacionalmente como português, no convencimento de que é a melhor estratégia para a nossa língua e para os seus falantes na Galiza.

Sobre esta base criou-se um movimento social muito abrangente que, baseado nos postulados da filosofia reintegracionista, trabalha pola regeneraçom da língua da Galiza.

Esta wiki pretende fornecer informações teóricas e práticas sobre o reintegracionismo, tanto sobre a filosofia como sobre o movimento social. Se bem que esta wiki seja da Associaçom Galega da Língua, e logicamente preste especial atençom a esta organizaçom reintegracionista, pretende dar umha visom geral sobre o reintegracionismo. Se notasse a falta de algumha informaçom ou detetasse algum erro, agradeceríamos que no-lo comunicasse enviado-nos umha mensagem de correio-e a wiki-faq@agal-gz.org, para assim podermos colmatar lacunas e/ou corrigir estas páginas.»




terça-feira, 8 de março de 2011

Sempre Galiza! Entrudo, Entruido


coordenação Pedro Godinho


Entruido
O mesmo que entrudo.
[Dicionário Cândido de Figueiredo, 1913]


Entrudo, Entruido, Entroido, Antroido (do latim: introitu = intróito; entrada; começo), também dito de Carnaval.


Apontada como festa de origem pagã, com folguedos populares, associada ao início dum novo ciclo da natureza e dos trabalhos do campo, por alguns ligada às Saturnais romanas, que viria, como tantas outras que não conseguiu eliminar, a ser incorporada com regras próprias pela igreja católica para os dias anteriores à quaresma, sofrendo também alterações com o carnaval urbano.


Adeus martes de Entruido,
adeus,meu amiguinho
até Domingo de Páscoa
nom comerei mais toucinho


Como em tantos outros aspectos, encontram-se semelhanças entre os diferentes festejos na Galiza e, em Portugal, em Trás-os-montes.


Em 2005, Xabier Prado, coordenador da candidatura do Património Imaterial Galego-Português apresentada à UNESCO dizia basear-se aquela em cinco elementos, dos quais “o quarto elemento constitui-o o ciclo festivo anual e as actividades de lazer, onde incluímos os jogos tradicionais. Nesta parte destacamos como um elemento de excelência o Carnaval, com as suas características enraízadas em tradiçons antiquíssimas e partilhadas pelos caretos de Podence, os peliqueiros, os generais da Ulha, etc. Em geral toda a celebraçom do Carnaval como um rito anterior à cristianizaçom e que foi assimilado polo catolicismo por um processo de sincretismo.”

Quando tomou o poder, após a guerra civil, Franco proibiu o carnaval no estado espanhol.Voltou com a sua queda. Igual proibição foi imposta por Videla na Argentina. Tanto os assustava a possibilidade de manifestação popular.

Algumas “galeguices” do entrudo a merecer serem conhecidas: Festa da Pita, Domingo Fareleiro, Cigarróns de Verin, Peliqueiros de Laza, Oso de Salcedo, Merdeira de Vigo, Pantalha de Xinço de Limia.
Ambos a chocalhar,


os Cigarróns de Verin (Ourense, Galiza)





e os Caretos de Podence (Trás-os-Montes,Portugal)





E porque o entrudo se está a tornar uma moda de laivos comerciais deixo-vos, ao invés, com uma genuína “Moda do Entrudo”, música popular de Malpica, Beira-baixa, na versão de José Afonso.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Sempre Galiza! Polvo à feira


coordenação Pedro Godinho


«O homem põe tanto do seu carácter e da sua individualidade nas invenções da cozinha, como nas da arte.»
   Eça de Queiroz


Um povo, a sua cultura, é também o que cozinha e come, e como o faz.

Depois do caldo, trazemo-vos a simplicidade do Polvo à feira (também chamado de polvo à galega por quem não é da terra); da feira porque sempre presente em feiras e romarias da Galiza.


POLVO À FEIRA (ou À GALEGA)


ingredientes
1 polvo grande
3 dentes de alho
Azeite a gosto
1 colher de sopa de pimentão doce
Sal
1 cálice de aguardente


preparação
Lavar bem o polvo e dar-lhe uns bons golpes. Escaldar o polvo três vezes em água a ferver e,depois, cozê-lo numa panela coberta durante cerca de 1 hora (ou 30 minutos numa panela de pressão) até estar tenro. Deitar a aguardente e esperar uns minutos. Tirar o polvo da panela, cortá-lo em pedaços e envolvê-lo numa mistura de azeite, pimentão, alhos picados e sal. Deixar repousar e servir, quente ou frio, com pão ou batatas cozidas na água do polvo.


terça-feira, 1 de março de 2011

Sempre Galiza! Caldo galego


coordenação Pedro Godinho




hoje dormireis num leito
feito de palhinha triga,
junto do lar que vos quente
coa borralhinha acendida,
e comereis um caldinho
com patacas e nabiças.

Cantares Galegos
Rosalia de Castro




Vem comer o caldo, neno,
deixa ir o cam pra fora;
que vaia espelir as patas
e cuidar do que há na horta.

E trai la-la-lá,
e trai la-la-lá;
o galego nunca
castrapo será.

Nom fagas o xordo, neno,
e vem-te comer o caldo;
que logo vai ser a hora
de ires apastar o gado.

E trai la-la-lá,
e trai la-la-là;
o galego nunca
castrapo será.
Cantigas galegas

Ricardo Flores




CALDO GALEGO
A minha receita de caldo galego.

ingredientes
2 l de água
1 osso de presunto
1 osso de novilho ou vaca
100 g feijão branco
1 molho de grelos
1 kg de batatas
1 chouriço
Sal

preparação

Deitar os ossos e o feijão - demolhado do dia anterior, numa panela com água e sal. Cozer durante uma hora.
Descascar as batatas e cortar em pequenos cubos. Tirar os ossos da panela e deitar as batatas junto com o chouriço. Deixar cozer.
Lavar bem os grelos. Numa outra panela cozer os grelos com sal. Quando começarem a ferver retirar do lume de imediato.
Deitar os grelos na panela onde estão as batatas, deixar cozer tudo durante 15 minutos. 
Servir bem quente.



E um outro caldo galego (irmão), música do grupo Trifulka: