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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Sempre Galiza! Cantares de Rosalia

coordenação Pedro Godinho

Nas palavras de Carcalho Calero, Rosalia “assinala o primeiro marco inamovível na história da literatura galega contemporânea”.

Os Cantares Galegos, de Rosalia de Castro, publicados em 1863, são um marco na literatura galego-portuguesa e podem agora ser lidos na versão linguística de Higino Martins, editada por Edições da Galiza, sem os implantes da ortografia castelhana.

Escreveu Rosalia na sua introdução aos Cantares:

Cantos, báguas, queixas, suspiros, serãos, romarias, paisagens, devesas, pinhais, solidões, ribeiras, costumes, tudo aquilo, enfim, que pela sua forma e colorido é digno de ser cantado, tudo o que teve um eco,uma voz, um rugido por leve que fosse, que chegasse a comover-me, tudo isso me atrevi a cantar neste humilde livro para dizer uma vez sequer, mal que seja sem jeito, aos que sem razão nem conhecimento algum nos desprezam, que a nossa terra é digna de louvores, e que a nossa língua não é aquela que bastardeiam e champurram lerdamente nas mais ilustradíssimas províncias com um riso de mofa, que para dizer verdade (por mais que esta seja dura) demonstra a ignorância mais crassa e a mais imperdoável injustiça que pode fazer uma província a outra província irmã, por pobre que esta seja. Mas eis que o mais triste nesta questão é a falsidade com que fora daqui pintam assim os filhos da Galiza como a Galiza mesma, a que geralmente julgam o mais desprezível e feio de Espanha, quando acaso seja o mais formoso e digno de louvor.

(...)

Foi este o móbil principal que me impeliu a publicar este livro, que, mais que ninguém, conheço que necessita da indulgência de todos. Sem gramática nem regras de nenhuma classe, o leitor topará muitas vezes faltas de ortografia, expressões que dissoarão aos ouvidos de um purista; mas ao menos, e para desculpar em algo estes defeitos, pus o maior cuidado em reproduzir o verdadeiro espírito do nosso povo, e penso que o consegui em algo… se bem duma maneira débil e fraca. Queira o céu que outro mais afortunado do que eu possa descrever com as suas cores verdadeiras os quadros encantadores que por aqui se topam ainda no recanto mais escondido e olvidado, para que assim, ao menos em fama, já que não em proveito, ganhe e se veja com o respeito e admiração merecida esta infortunada Galiza!

Tanta Rosalia, tantos poemas, por ler, e cantar, uma e outra vez.

Cantar-te-ei, Galiza,

teus doces cantares,

que assim mo pediram

na beira do mare.

Cantar-te-ei, Galiza,

na língua galega

consolo dos males,

alívio das penas.

Mimosa, suave,

sentida, queixosa,

encanta se ri,

comove se chora.

Qual ela nenhuma

tão doce que cante

soidades amargas,

suspiros amantes,

mistérios da tarde,

murmúrios da noite;

cantar-te-ei, Galiza,

na beira das fontes.

Que assim mo pediram,

que assim mo mandaram,

que cante e que cante

na língua que eu falo.

Que assim mo mandaram,

que assim mo disseram…

Já canto, meninhas.

Cuidai, que começo.

Com doce alegria,

com brando compass,

ao pé das ondinhas

que vêm e vão.

Deus santo permita

que aquestes cantares

de alívio vos sirvam

nos vossos pesares;

de amável consolo,

de suave contento,

qual fartam de ditas

cumpridos desejos.

De noite, de dia,

na aurora,na sera

cantando ouvireis-me

por montes e veigas.

Quem quer que me chame,

quem quer que me obriga:

cantar, cantarei-lhe

de noite e de dia

por dar-lhe contento,

por dar-lhe consolo,

trocando em sorrisos

queixinhas e choros.

Buscai-me, rapazes,

velhinas, mocinhos,

buscai-me entre os robles,

buscai-me entreb os milhos,

nas portas dos ricos,

nas portas dos pobres,

que aquestres cantares

a todos respondem.

A todos, que à Virgem

ajuda pedi,

porque vos console

no vosso afligir;

nos vossos tormentos,

nos vossos pesares.

Cuidai que começo…

Maninhas, Deus diante!

O poema Cantar de emigração foi de tal modo sentido em Portugal como traduzindo a situação das vagas que saíam do país em busca de melhor vida que, musicado por José Niza e interpretado primeiro por Adriano Correia de Oliveira em Gente de aqui e de agora, se tornou uma das trovas de denúncia e protesto nos anos 70.

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