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terça-feira, 26 de abril de 2011

Sempre Galiza! - Ernesto Guerra da Cal: 2011 centenário do nascimento

Queremos ser parte da homenagem a Ernesto Guerra da Cal - um galego com um coração que também batia por Portugal... e Brasil... e lusofonia, porque transbordava Galiza.

Visitem o sítio do centenário do nascimento de Ernesto Guerra da Gal da Academia Galega da Língua Portuguesa.





"Eu, sem pejo nenhum, afirmo aqui o meu orgulho de ter sido o primeiro escritor galego, desde o Ressurgimento, a levar a vias de facto essa tão repetidamente desejada aproximação da nossa língua escrita ao português [...] Em 1959 fui de facto “iniciador dessa reintegração” no meu poemário Lua de Alén-Mar, com o que abri fogo nessa batalha [...] Esse apelo não caiu em saco roto. Nele teve princípio a corrente “reintegracionista” contemporânea - na que hoje enfileira o melhor e mais capacitado da nossa mocidade. [...] os que neste momento detêm o poder autonómico - clientes e agentes do Estado Central [...] Esse é o bando da “Xunta de Galicia” [sic], que, de colaboração com algumas entidades “isolacionistas” esclerosadas, engenhou e “oficializou”, de maneira maleficamente subreptícia, umas aberrantes Normas cujo evidente propósito é condenar o galego ao languidescimento como dialecto - do espanhol [...] /eu tenho a convicção de que a única defesa do galego contra a política linguicida dos “espanholizantes” descansa na progressiva adopção do padrão luso-brasileiro que os “reintegracionistas” perfilham".

(Ernesto Guerra da Cal, "Antelóquio indispensável", in Futuro Imemorial. Manual de Velhice para Principiantes, Lisboa, 1985, pp. 9-11; recolhido em Vol II, 1986, de Temas de O Ensino, nos 6/10, “Linguística, sociolinguística e literatura galaico-luso-brasileira-africana de expressão portuguesa).


Lançado site comemorativo sobre o centenário do nascimento do professor Ernesto Guerra da Cal

A Academia Galega da Língua Portuguesa (AGLP), com o apoio doutras entidades cívicas, comemora o 100 aniversário do nascimento do professor, investigador e poeta galego Ernesto Guerra da Cal (1911-1994) com o lugar web Centenário Guerra da Cal.
O lugar acolhe e solicita materiais sobre a sua vida, obra, época e legado intelectual. Para doar materiais, pode utilizar-se o contato na própria página web. O endereço web do site é:http://guerradacal.academiagalega.org.
  


Apresentação
Escrito por Carlos Durão 
    
Ernesto Guerra da Cal (Ferrol, 1911 – Lisboa, 1994) foi o primeiro poeta galego moderno que tratou temas universais, no espaço e no tempo, desde “dentro” e desde “fora”. Foi sem dúvida o poeta galego que mais eco teve dentro e fora da Galiza, como testemunha a abundandíssima bibliografia transnacional e transcontinental a que deu origem a sua obra. E foi, em fim, o professor galego de mais prestígio internacional, autor da por muitos conceitos monumental Língua e Estilo de Eça de Queiroz, e duma viçosa obra devotada à nossa comum cultura galego-portuguesa, para a que viveu e pela que padeceu até morrer no exílio, consequente com as suas ideias e firmes ideais, sem por isso se importar ser sempre proscrito na sua pátria, e até maldito pelos que nela detêm ainda o poder.

Fez os seus estudos universitários em Madrid, onde travou amizade com vultos do galeguismo cultural e político, bem como com outros da cultura espanhola em geral, entre estes o seu amigo F. García Lorca, com quem conviveu na Residencia de Estudiantes e com quem colaborou na gestação dos famosos Seis poemas galegos lorquianos. Ao estourar a chamada “guerra civil” no 1936, alistou-se como voluntário nas Milícias Galegas, combateu pela legalidade republicana na frente de Toledo, e passou à Seção do Exterior do Servicio de Información Militar, do Ministério da Guerra; enviado a Nova Iorque em missão oficial pouco antes da derrocada da frente do Ebro, teve de ficar ali ao rematar a guerra.

Completou os seus estudos universitários na Columbia University, e chegou a ser catedrático na New York University, onde realizou os trabalhos de pesquisa que culminaram no seu magnum opus, a Língua e Estilo de Eça de Queiroz, pelo que é justamente reconhecido e louvado internacionalmente, e condecorado em Portugal. Ocupa-se da parte galega do Dicionário das Literaturas Portuguesa, Galega e Brasileira. Pronuncia conferências, realiza seminários, colabora em trabalhos de investigação para universidades do Brasil e de Portugal, sempre reclamando, em todo o mundo lusófono, o reconhecimento da Galiza como pertencente a esse mundo, e em toda a parte dizendo, sem pejo, que ele era galego.

Nos anos 1959 e 1963 publica os seus seminais poemários Lua de Além-Mar (o primeiro livro em que um autor galego aposta pelo reintegracionismo linguístico após o chamado Rexurdimento) e Rio de Sonho e Tempo, na editora Galaxia, de Vigo.

Reformado da súa cátedra na universidade americana, Guerra da Cal retornou à Europa, primeiro a Estoril, e posteriormente a Londres. Nesses anos impulsou o movimento reintegracionista desde o exílio. Foi graças aos seus contatos com os seus colegas em universidades lusófonas, à sua acessibilidade para a mocidade reintegracionista, e com o seu respaldo académico, que a Galiza conseguiu um merecido posto de observadora nas negociações dos Acordos Ortográficos, em 1986, no Rio, e em 1990, em Lisboa.

Com a sua obra, poética e erudita, com o seu prestígio e impulso ao reintegracionismo, Guerra da Cal deixou um incalculável legado à sua pátria, a “Nação soberana/ sem estrangeiro senhor”, da que ele foi cantor. Por isso foi dela banido, por isso merece sobejamente a nossa sentida homenagem, e por isso descansa hoje entre “os bons e generosos”, que cantou o bardo Pondal.



  
Filho Pródigo

Abre-me a Porta
Pai!
      Abre-me a Porta!

      Porque venho cansado
e derrotado
desfeito
pobre
e nu
      e envergonhado

      Tudo esbanjei
Só trago
      encravados no peito
nele bem entranhados
      os pungentes punhais
de todos os Pecados Capitais

      Delapidei o rico Património
do teu Amor
      na subida
      arrogante e pressurosa
da Montanha da Vida

      E hoje conheço a Dor
Da descida agoniante
      trémula e vagarosa
pela encosta abrolhosa
      na que nos acompanha

      o impiedoso demônio
da consciência dorida
da fortuna malgasta
      dissipada
      e a existência perdida

      Abre-me a Porta
Pai!
      E acende a luz da Casa
que outrora foi a minha
     quando eu era inocente
                              criancinha

      Não me tardes
Senhor!
      Abre-me a tua Porta luminosa
depressa, por favor!

in Futuro Imemorial (Manual de Velhice para Principiantes), Livraria Sá da Costa Editora, Lisboa, 1985


Morrinha de Rio e Lua lido por Celia Díaz




PÁTRIA


«Porque volvió, sin regresar, Ulises.»
MIGUEL ANGEL ASTURIAS

A Galiza
é para mim

um mito pessoal


maternal e nutrício


com longa teimosia elaborado

de louco amor filial

de degredado

(E de facto é também

—porquê não confessá-lo—

um execrável vício

sublimado)


A Galiza

foi sempre para mim

um refúgio mental

um jardim de lembranças

sossegado

um ninho de frouxel acolhedor

para onde fugir

do duro batalhar e do estridor

da Vida

e do acre ressaibo do Pecado


Subterfúgio subtil

e purificador

de interior evasão

para o descanso da alma

na calma

pastoril

da perfeição de Arcádia

da Terra Prometida

da imaginação


A Galiza

é o meu amor constante

tranquila e fiel esposa

e impetuosa amante

sempre

como Penélope a tecer

na espera

ansiosa e plácida

paciente e palpitante

do retorno final

do seu errante e navegante Ulisses

—outra quimera!


Amo-a

como o náufrago desesperado

ama a costa longínqua e ansiada

que nunca há-de avistar

Amo-a

com saudade antevista de emigrado

que à partida se sabe já

fadado

a ser ausente morrinhento*

de nunca mais voltar

Porque ninguém jamais regressa do desterro

à mesma terra que deixou

(O Espaço dissolve-se no Tempo:

os lugares

e as gentes que os habitam

mudam e morrem sempre

e nós também morremos

e mudamos

Posso eu acaso me reconhecer

naquele rapaz loiro

que chorando partiu

um dia crepuscular e montanhoso

de Quiroga

no Sil

há tantos anos

e tantos desenganos?)


Amo-a


Amei-a sempre

porque nunca deixei

de estar ligado a Ela

pelo umbigo

Porque Ela foi meu berço

e onde quer que eu morrer

Ela há-de ser

o meu íntimo

e último jazigo


Amo-te


enfim


Galiza

coitada, triste e bela Pátria minha

como Tu és

como o Senhor

num mal dia te fez

órfã de história e alienada de alma

vespertina submissa e maliciosa

rústica e pobrezinha


Amo-te


sobretudo

como eu te quereria

como eu em mim te crio

dia após dia

como um encantamento da minha infância

e da minha fantasia


Amo-te


como eu

tresnoitado poeta evangelista

te invento e mitifico

E, como com Jesus Cristo fez Mateus,

visto com ilusórios véus

a tua miseranda e cinzenta Paixão

e intento

com interna e intensa

distante devoção

pôr-te um ninho de Glória imaginária

num apócrifo Novo Testamento


ESTORIL 
      1984


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*De morrinha: saudade da terra natal.

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