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terça-feira, 15 de março de 2011

Sempre Galiza! - O Assento, de Jenaro Marinhas del Valle

coordenação Pedro Godinho

 

 

 

O ASSENTO

 

Recanto dum jardim público. Dous bancos, próprios do sítio, um dando frente ao público, em direcçom horizontal à embocadura, o outro em posiçom vertical a ela e num lateral.

 

  

Atrás do primeiro, quando menos, umha árvore em cujas pólas podam pousar as duas aves exóticas que aparecerám imediatamente.

 


Ave 1:


Onde é que nos encontramos?


Ave 2:


Pois nom o sei. Nunca é fácil sabê-lo com certeza, tudo se vai uniformando tanto no mundo que todas as cidades parecem a mesma. Iguais avenidas, «scalestrix», «buildings». Que nojo!


Ave 1:


Vamos dar outra revoada a ver se pesquisamos algo orientador.


Ave 2:


Se déssemos coa Oficina de Turismo.


Ave 1:


Impossível, nom podemos rasear o voo com tantas espingardas de ar comprimido em maos dos escolares.

 

Partem as aves. Entram polo lateral vazio dona Claustófila e dona Reverenciana, ambas andam por umha idade mais que madura, ambas som atesadas, enxoitas e desluzidas como folha de bacalhau. Sentam-se no banco que dá frente ao público, tiram dos bolsos o novelo de lá e as longas agulhas de calcetar para continuar o labor encetado, parecem simular um jogo de esgrima a florete. Entra por onde antes elas o figérom o HOME, tamém maduro, roupas e chapeu amarfanhados, mal barbeado, tudo nel tem aspecto, se nom precisamente sujo, si desajeitado, esbaldragado. Porta um grande pára-águas sem enrolar e uns diários. Tenta sentar-se no sítio livre que deixam no extremo do banco as senhoras; mas para llo impedir correm-se elas rapidamente ocupando-o. Deixam, pois, livre o extremo oposto e ali dirige-se o HOME; mas novamente umha das mulheres apressura-se a ocupá-lo escorrendo o cu ao longo do assento. Fica agora livre o centro do banco. O HOME olha-o dubitativo e quando decide sentar-se as mulheres colocam as agulhas de ponta no sítio.

 

O HOME brinca ao sentir a punçada e esfrega as nádegas olhando em volta, repara no outro banco vazio, dirige-se a el, acomoda o guarda-chuva pendurado no espaldar e some-se na leitura dos diários. As mulheres, agora ajuntadas de novo, intercambiam gestos e olhadas como dizendo-se: «apanhou o merecido».


Começa a chover. O HOME abre o pára-águas. As senhoras guardam apressadas as calcetas nos bolsos. Hesitam em que fazer e correm a sentar-se umha a cada lado do HOME a coberto do grande guarda-chuva. O HOME olha umha e outra entre estranhado e burlom, depois vai fechando lentamente o pára-águas até que nom protege mais que a sua própria cabeça. As mulheres, vendo-se sem agarimo, erguem-se e fogem fora da cena em procura de refúgio, e vam dizendo: «Nom hai cortesia».


Retornam as aves a pousar no mesmo ramo.

 


Ave 1:


Averiguaste por onde é que voamos?


Ave 2:


Parece ser que estamos sobre umha terra que chamam Noroeste, lim muitas alusons a esse ponto.


Ave 1:


E onde vem caindo isso mais ou menos.


Ave 2:


Polo Suroeste da Europa.


Ave 1:


Como pode ser isso de que o Noroeste seja o Suroeste? 


Ave 2:


É segundo desde onde se olhar.


Ave 1:


Parece contra-senso.


Ave 2:


Pois tem o seu senso e como mandam os noroestistas nom permitem outro ponto de mira que o seu.


Ave 1:


Hai ditadura


Ave 2:


Nisso, si. E os suroestistas, os que contemplam o país desde a Europa, som postos fora da Lei. Parece que hai muito enguedelho.


Ave 1:


Pois estamos boas! Se começam a tiros nom o vamos passar muito bem que digamos.


Ave 2:


Antes nos imos embora, que já vai acalmando o chuveiro.

     

O HOME fecha o pára-águas que volvera a abrir de todo em se indo as madamas que agora retornam em direcçom para o seu banco.



Dona Claustófila:


(Apalpando o assento). Está molhado.


Dona Reverenciana:


(Apalpando igualmente). Está molhado.

     

Permanecem em pé indecisas. O HOME oferece-lhes os diários, elas tomam-nos com vénia e sorriso de agradecimento. Cada umha lê em voz alta o título do que tomou: «A Liberdade», «A Democracia». Umha entrega-lho à outra apressadamente, como se lhe queimasse a mao. Repetem o intercámbio de mao a mao sempre como se de tiçom aceso ou ferro ardente se tratasse. Afinal, dona Claustófila em poder dos dous diários, vai-nos colocando estendidos no assento do banco.



Dona Reverenciana:


Para que fai isso dona Claustófila? Em riba disso nom me sento.


Dona Claustófila:


(Cessando na tarefa). Nom lhe falta razom, dona Reverenciana. Desculpe. Nom resulta bom assento para senhoras da nossa casta.


Dona Reverenciana:


Dos nossos princípios.


Dona Claustófila:


Diga que nom é bom assento para ninguém.


Dona Reverenciana:


(Heróica, lançando umha olhada desafiante para o HOME). Digo, claro que digo! Digo mui alto para que todos podam ouvir.

    

Marcham a encostar-se no tronco da árvore e reanudam os seu labor de calceta. Entra um rapaz e umha rapaza colhidos da cintura. Vestimenta unissex. Sentam-se no banco coberto polos diários e começam a acarinhar-se: abraços, beijos. O HOME desentendido do entorno vai preparando o seu cachimbo. As mulheres, entre volta e volta de agulha, esguelham olhadas de indignaçom para os amantes.



Dona Claustófila:


Está vendo, dona Reverenciana?


Dona Reverenciana:


Nom há vergonha, dona Claustófila. De onde virá tanta despudícia?


Dona Claustófila:


Nom o pergunte,que está claro: vem-lhes do assento. Nom deveríamos ter deixado esses papéis ali.


Dona Reverenciana:


Certamente que nom é assento apropriado para a mocidade.


Dona Claustófila:


Umha mocidade sã há de assentar sobre a obediência, sobre a disciplina.


Dona Reverenciana:


Diga que si.


Dona Claustófila:


Digo.


Dona Reverenciana:


Em certo modo somos responsáveis. Sem intençom, claro é, mas proporcionamos-lhes assento para o escándalo.


Dona Claustófila:


Por que deixaria eu ali estendidos esses diários? Que imprevisom! (Batendo no peito). Mea culpa! Mea culpa!


Dona Reveranciana:


Ainda podemos fazer algo para impedir tanta perdiçom.


Dona Claustófila:


Vamos sentar a rente deles que a nossa presença há de coibi-los.

    

Venhem sentar umha em cada extremo do banco. Os rapazes, no centro, entregues a beijos e alouminhos, nem se inteiram. Dona Reverenciana carraspeia para se fazer notar. Sem resultado. Dona Claustófila carraspeia mais forte. Sem resultado. Ambas intercambiam gestos de estranheza, de escándalo, de indignaçom. A rapaza monta a cavalo no regaço do moço e joga-lhe cos cabelos, depois tira do peto um maço de cigarros e pede-lhe lume. El apalpa-se buscando e nom encontra. A rapaza descavalga e vai sentar-se ao lado do HOME em petiçom de lume. Fumam.
    

O rapaz estende os braços por trás das cabeças das senhoras e atraí-nas para si colhidas dos ombros. Deixam levar-se. O moço umha após outra beija-as nos beiços. Gargalhada da rapariga. As senhoras arroubadas, fecham os olhos de mao pousada nos joelhos do moço e vam-nas subindo pola coxa acima. O rapaz agita-se sentindo as cóxegas com um riso contido. As maos das senhoras esploram a barriga, o peito. Mais cóxegas e risos estremecidos. As maos descem corpo abaixo, chegam às virilhas. Grito do moço que se ergue dum brinco, colhe a moça por umha mao e sai correndo com ela.
    

Entra um vendedor de globos. O HOME compra um e prende-o no olho da lapela. Encosta-se no espaldar para o contemplar boiar no alto. As mulheres, encostadas umha à outra, em êxtase. Acordam e olham em torno.



Dona Claustófila:


Ai, dona Reverenciana! Sei que tivem um sonho!  


Dona Reverenciana:


Nom me diga. Tamém eu, dona Claustófila.


Dona Claustófila:


Estávamos aqui nós as duas e vinha aquel home de em frente e assentava-se entre nós...


Dona Reverenciana:


Si, si, era el; mas parecia mais novo.


Dona Claustófila:


O diabo costuma fazer essas transformaçons.


Dona Reverenciana:


E veja-o agora a fazer-se o inocente co seu globo igual que um meninho, como aquel que nunca rompeu um prato.


Dona Çlaustófila:


Assi som as astúcias de Satanás. 


Dona Reverenciana:


Abraçava às duas e...


Dona Claustófila:


(Espantada). Nom o diga, por favor, nom o diga!


Dona Reverenciana:


Nunca tal me tinha acontecido.


Dona Claustófila:


Fomos violadas sem a devida resistência.


Dona Reverenciana:


Abandonou-nos o Anjo Custódio.


Dona Claustófila:


(Pondo-se bruscamente em pé e assinalando acusadora os diários do assento). Olhe! Eis a causa. Veja onde estamos sentadas.


Dona Reverenciana:


(Pom-se tamém rápida em pé). Esses diários! Eles fôrom a nossa perdiçom! Bem diziamos que nom fam assento conveniente.


Dona Claustófila:


Estamos em pecado, dona Reverenciana.


Dona Reveranciana:


Abrenúncio! Abrenúncio!


Dona Claustófila:


Eu corro para casa a esfregar os lábios com água de Lourdes.


Dona Reverenciana:


Se nom foi mais que um sonho!


Dona Claustófila:


Ainda assi.


Dona Reverenciana:


Pois eu nom sei se tenho água de Lourdes na casa; mas tratando-se dum sonho bastará com xabom comum.


Dona Claustófila:


Há de bastar. Hai-nos agora com alto poder desinfectante.

    

Vam-se, apressadas e cotorronas as senhoras. O HOME ceiva o globo que sobe e se perde no alto. Fim da anedota.

 


 

 

Vejam também a primeira parte dum vídeo-roteiro da AGAL sobre a Corunha galeguista de Jenaro Marinhas:

 

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